A calçada portuguesa.
A maioria dos portugueses adora a calçada portuguesa.
Trata-se de uma técnica de produção de passeios públicos única a Portugal e ao Brasil. Tem vários séculos de tradição e representa aquilo que é verdadeiramente nosso. Preservar essa tradição é o dever das câmaras municipais. Ver um calceteiro a construir uma nova calçada é um gosto.
Esperem – isto não faz sentido nenhum, pois não?
A calçada portuguesa está sempre esburacada.
A calçada portuguesa é escorregadia e quando chove, as senhoras de saltos altos dão trambolhões.
A calçada portuguesa impede que a mulher portuguesa ande de stilletos, o que é uma pena.
É ridículo no século 21 haver pessoas em Portugal que se dedicam a fazer calçadas à mão.
Lembro-me de, em 1991, ver a obra da construção de uma auto-estrada na China. A pedra que servia de base à auto-estrada era partida à mão por milhares de operários. Não havia quase nenhuma maquinaria. Estamos a esse nível em Portugal. A grande maioria dos nossos passeios são feitos à mão. É absolutamente incrível.
A doutrina vigente, falando em termos mais gerais, é a do investimento público produtivo. Os passeios devem ser considerados um investimento pouco produtivo porque estão sempre em péssimo estado. São raros. São estreitos.
Quando vou para o emprego, passo por terras onde não há passeios públicos e as pessoas arriscam a sua vida andando ao longo de uma estrada por onde circulam camiões TIR.
Um país onde as pessoas não têm passeios onde se podem cruzar e cumprimentar, é um país onde não há cidadania. A maioria dos passeios em Portugal tem uma largura insuficiente para que quatro pessoas possam parar e cumprimentar-se sem bloquear a passagem dos restantes transeuntes.
Aposto que existem métodos industriais para produzir passeios a um preço bastante inferior ao da calçada portuguesa.
No seu livro Urbanismo, escrito nos anos 20 do século passado, Le Corbusier descreve as ruas da época como “trilhos de vacas” sobre os quais se colocou pavimentação. Segundo Le Corbusier a rua moderna deve ser uma obra-prima de engenharia civil e não mais um trabalho de calceteiro.
Quase um século depois, as ruas em Portugal continuam a ser mesmo isso.