Monthly Archives: January 2009

A cidade do futuro (2)

A calçada portuguesa.

A maioria dos portugueses adora a calçada portuguesa.

Trata-se de uma técnica de produção de passeios públicos única a Portugal e ao Brasil. Tem vários séculos de tradição e representa aquilo que é verdadeiramente nosso. Preservar essa tradição é o dever das câmaras municipais. Ver um calceteiro a construir uma nova calçada é um gosto.

Esperem – isto não faz sentido nenhum, pois não?

A calçada portuguesa está sempre esburacada.

A calçada portuguesa é escorregadia e quando chove, as senhoras de saltos altos dão trambolhões.

A calçada portuguesa impede que a mulher portuguesa ande de stilletos, o que é uma pena.

É ridículo no século 21 haver pessoas em Portugal que se dedicam a fazer calçadas à mão.

Lembro-me de, em 1991, ver a obra da construção de uma auto-estrada na China. A pedra que servia de base à auto-estrada era partida à mão por milhares de operários. Não havia quase nenhuma maquinaria. Estamos a esse nível em Portugal. A grande maioria dos nossos passeios são feitos à mão. É absolutamente incrível.

A doutrina vigente, falando em termos mais gerais, é a do investimento público produtivo. Os passeios devem ser considerados um investimento pouco produtivo porque estão sempre em péssimo estado. São raros. São estreitos.

Quando vou para o emprego, passo por terras onde não há passeios públicos e as pessoas arriscam a sua vida andando ao longo de uma estrada por onde circulam camiões TIR.

Um país onde as pessoas não têm passeios onde se podem cruzar e cumprimentar, é um país onde não há cidadania. A maioria dos passeios em Portugal tem uma largura insuficiente para que quatro pessoas possam parar e cumprimentar-se sem bloquear a passagem dos restantes transeuntes.

Aposto que existem métodos industriais para produzir passeios a um preço bastante inferior ao da calçada portuguesa.

No seu livro Urbanismo, escrito nos anos 20 do século passado, Le Corbusier descreve as ruas da época como “trilhos de vacas” sobre os quais se colocou pavimentação. Segundo Le Corbusier a rua moderna deve ser uma obra-prima de engenharia civil e não mais um trabalho de calceteiro.

Quase um século depois, as ruas em Portugal continuam a ser mesmo isso.

Menos televisão e mais ensino

Vamos estar todos de acordo sobre uma matéria: existe em Portugal um enorme, um gigantesco problema em torno da educação. Uma enorme percentagem da nossa população não tem cultura nenhuma, nem técnica nem literária. Estamos de acordo que se, em Portugal, a população que não tem acesso ao ensino superior tivesse pelo menos direito a uma formação profissional decente, metade dos nosso problemas ficariam resolvidos.

A cultura dominante em Portugal continua a ser a televisão. Claro que os portugueses são influenciados pela TV, mas não o suficiente para se tornarem grandes dançarinos, ou mestres da retórica, mais uma prova que a televisão influencia, mas pouco.

Em Portugal, ter acesso à cultura sempre foi o objectivo de uma pequena minoria. A grande maioria dos portugueses passa pela vida completamente ignorante e aliás pouco preocupada pelo facto. Isto está ligado à pobreza, ao facto de milhões de portugueses viverem com muito pouco.

Resta saber como convencer os portugueses a ver menos televisão e em vez disso, tirar cursos, universitários ou outros. Qualquer solução passa pelo governo, que teria que aumentar e muito o orçamento da educação. Como os nossos governantes são fraquinhos, nada fazem.

Uma alternativa seria confiar nos professores do ensino secundário, para sozinhos melhorarem o sistema e levarem o pais para a frente. O editorial da revista Ensino Magazine, disponível aqui parece oferecer a solução. O texto, da autoria de João Ruivo, revela que basta confiar nos professores, já que “o professor vive quase todo o tempo da sua carreira em estádios profissionais de enorme maturidade e de mestria. São estádios em que a maioria dos docentes se sentem profissionalmente muito seguros, em que trabalham com entusiasmo, com serenidade e com maturidade, e em que, num grande esforço de investimento pessoal, se auto conduzem ao impulsionar da renovação da escola e à diversificação das suas práticas lectivas.

Será esta a solução para todos os problemas de ensino? Vamos deixar as coisas como estão e confiar nos professores?

Tal pretensão parece ridícula. Parece-me o produto de uma organização que, sem sistema de avaliação, se caracteriza por uma cultura de mediocridade. Em matéria de educação, Portugal esta a ficar para trás de países como a Turquia (a Turquia sempre foi um país de grande potencial).

Os resultados do ensino em Portugal são uma vergonha. Os professores, que vivem numa lógica de funcionários públicos, concentram-se em não fazer coisas erradas, em vez de fazer as coisas certas. Sabem que nunca vão ser despedidos, e limitam-se a opor-se a qualquer forma de inovação. Como em qualquer cultura organizacional de “welfare” os maus resultados do sistema de ensino são atribuídos ao governo.

Parece-me que a atitude madura seria exigir, num esforço concertado, que o governo pusesse no ensino os meios necessários a realização da missão dos professores, que consiste em seguir os restantes países europeus e ajudar os alunos a alcançar objectivos ambiciosos. Consiste também em aumentar o número de pessoas no país com cultura e meios para alcancarem um certo sucesso profissional.

Em troca, os professores podiam e deviam, a meu ver, aceitar um sistema de avaliação que decerto não será perfeito mas pelo menos quebra a cultura medíocre que parece predominar no sistema. O chamado sistema de gestão democrática provou a sua falta de eficiência, pelo que deve ser substituído.

Inteligência emocional (4)

“[…] On Friday, November 22, 1963, President John F Kennedy was assassinated while riding in a Dallas motorcade.
[Warren] Buffett was downstairs eating lunch […] when somebody came in with the news that Kennedy had been shot. He went back […] to his office and found that the New York Stock Exchange floor was in a state of stupefaction; stock were plunging on heavy trading. […] then the exchange closed, its first emergency closing during trading since the Great Depression. Shortly afterward, the Federal Reserve made a statement of confidence […]
Buffett went home to sit, along with the rest of the country, and watch the nonstop television coverage throughout the weekend. He characteristically displayed no powerful surge of emotion, rather a detached gravity. […]”

A biografia de Warren Buffett por Alice Schroeder descreve então como Buffett aproveita esta oportunidade para fazer um enorme trade, em torno do American Express, cujas acções tinham sofrido com a descida generalizada do mercado e com um escândalo que tinha afectado a empresa antes do assassinato.

Peguei nesta história como mais um exemplo da importância da inteligência emocional em épocas de crise.

Inteligência emocional (3)

“Pior do temporal passou-nos ao lado”

Era este o título de uma entrevista a João César das Neves em Novembro de 2008. E ainda acrescentou:

“Devem distinguir-se várias crises dentro da crise. Primeiro temos o pânico que vivemos desde o Verão e que não pode durar muito tempo, talvez umas semanas. Depois, restaurada a confiança, virá a resolução dos problemas financeiros propriamente ditos, distribuindo responsabilidades e afectando prejuízos, o que demorará certamente alguns meses, talvez mais de um ano. Finalmente teremos os efeitos produtivos da crise […]”

Já lá vão vários meses e não há maneira de sairmos do pânico. As semanas transformam-se em meses. Há perguntas às quais não vale a pena responder em termos de meses ou anos. Porque ninguém sabe quais serão os efeitos de todos os ajustamentos que estão a ser feitos a nível global e francamente ninguém sabe quando vai acabar.

Talvez tenha faltado a faltou a João César das Neves a tal qualidade a que chamamos inteligência emocional, para se aperceber que este processo vai ser longo e penoso.

Passar de um mundo alavancado para uma vida "DLY" (De-Lever Yourself)

Estes são os rácios de dívida/EBITDA de algumas empresas do PSI-20:

  • Altri (pasta de papel) 8,4x
  • Brisa (infra-estrutura) 8,1x
  • Mota-Engil (construção) 7,2x
  • Teixeira Duarte (construção/materiais de construção/cimento) 12,96x

A média do PSI-20 é de 3,4x.

Será que algumas destas empresas vão dar um estoiro? A Mota-Engil e a Teixeira Duarte que se cuidem. Sobretudo a primeira, já que a segunda sempre conta com a Cimpor.

Estas empresas vão ter que reduzir a sua dívida.

Todos nós vamos ter que reduzir o peso da dívida nas nossas vidas.

A que ponto é que estamos viciados em dívida?

O que devemos esperar de um regulador

O Banco de Portugal, na pessoa do seu governador, constitui um exemplo de uma instituição que não faz ponta de um corno. Não faz nada. Vai para casa cedo, cultiva a inacção. Mas o mais grave a meu ver – como o Banco de Portugal não fez nada no caso BPN, ninguém consegue atribuir culpa ao Constâncio. Ele limita-se a não fazer ponta de um corno. Numa cultura de funcionalismo publico, quem não faz nada, não comete erros e por isso perdura.

Acima de tudo, o governador do Banco de Portugal continua a ser um animal politico. E francamente, se não tivesse jeito para ignorar os factos, não seria um bom politico, devia dedicar-se a outra actividade. Por isso parabéns Sr. Governador, tem realmente muito perfil para o lugar que ocupa!

Será que merecemos mais?

No que toca à supervisão bancária temos direito ao seguinte, a meu ver:

  1. O Banco de Portugal devia servir de mecanismo de recurso quando os mecanismos privados de regulação falham. Estou a falar das agências de rating e dos directores não-executivos
  2. O BdP devia ser resistente na adversidade, quando o seu escrutínio é denunciado por aqueles que pode prejudicar
  3. Devia ter a coragem de fazer a revisão dos processos dos bancos mas também e sobretudo das suas estratégias, penalizando e chamando a atenção se a mesma é desadequada ou demasiado arriscada

As falhas do regulador… Temos um nome para essas falhas: nacionalização. O Banco de Portugal falhou. E continua impune.

Reforma do sistema de saúde

O presidente Obama tem um enorme desafio, entre muitos, no que toca ao sistema de saúde.

Do lado dos empregadores, as empresas americanas querem continuar a ligar a cobertura de saúde com o emprego. O resultado é que cerca de 47 milhões de americanos não têm cobertura de saúde. É um número enorme.

Mas por outro lado, as empresas têm que fazer face a aumentos brutais nos custos de saúde, na ordem dos 7% no ano passado.

O número de pessoas sem seguro vai aumentar à medida que aumenta o desemprego.

Trata-se portanto de um desafio enorme.

A cidade do futuro (1)

Qualquer pessoa que passeie por Lisboa ou pelo Porto e saia das zonas turísticas chega rapidamente à conclusão que se trata de duas cidades feias e onde, não fora a envolvente priveligiada junto ao mar, a grande maioria das pessoas não teria grande qualidade de vida. Não é novidade.

Quais são as alternativas? Aqui vão duas segundo o arquitecto Mitchell Joachim:

  1. Dar acesso ao Facebook nos automóveis, para que as pessoas possam saber onde estão os amigos e encontrarem-se nas cidades
  2. Integrar lixo nos materiais de construção, para reciclar aquilo que deitamos fora

Outra sugestão minha: regulamentação do parqueamento no centro das cidades, como já existe em tantas cidades europeias. Uma taxa sobre o acesso ao centro de Lisboa, à semelhança daquilo que existe em Londres.

Os sectores a evitar do ponto de vista do investidor

Os sectores em Portugal onde o Governo teve que intervir para impedir falências são uma indicação daquilo que o investidor deve evitar a todo o custo, sob pena de perder dinheiro. Trata-se de:

  1. Têxteis. Já estavam mal antes da crise. Agora, com os países asiáticos a precisar ainda mais de divisas e a comprimir margens, ainda vão piorar.
  2. Calçado. Sem um foco em bens de luxo, também vão sentir a concorrência dos países asiáticos.
  3. Banca. Um sector no qual terá que haver aumentos de capital. Os CDOs sintéticos e outros instrumentos de difícil avaliação continuam nos balanços de certos bancos. Há muito por limpar e ainda vamos no início de 2009.
  4. Agricultura e pescas. Vão sofrer da falta de crédito, os produtores vão ter que usar mais capital próprio.
  5. Automóvel. Quebra das exportações na sequência do abrandamento da economia global.
  6. Semicondutores e tecnologia: vai sofrer com a valorização do dólar, já que importa muitos componentes. Menos procura e quebra de exportações.

Para além destes sectores, há que referir também o imobiliário onde a festa de 15 anos acabou.

O comentário do Camilo Lourenço no Jornal de Negócios de 23 de Dezembro é mais ou menos correcto o que constitui uma enorme surpresa dada a fraca qualidade dos seus artigos. A ajuda do Estado português à Qimonda é uma temeridade, apesar de se tratar de uma empresa vital para o país. Mas claro que o Estado não pode estar ausente nestes tempos difíceis.