Monthly Archives: April 2009

Futebol e avaliação de empresas

Comentei outro dia acerca da incapacidade dos jornalistas em divulgarem os múltiplos de EBITDA quando são anunciadas as aquisições de empresas.

Uma possível explicação seria que os jornalistas fossem incapazes de pensar em termos de valor. Claro que isto não faz sentido.

Um artigo do jornalista Filipe Alexandre Dias no jornal O Jogo de hoje chamou-me a atenção para a capacidade analítica dos jornalistas.

No artigo trata-se do verdadeiro valor do Sporting. O jornalista começou por consultar o relatório anual do Sporting, a partir do site da CMVM. Encontrou a avaliação do plantel. Comparou com os concorrentes Benfica e F.C. Porto.

Em seguida, insatisfeito com a avaliação, tratou de avaliar os jogadores mais novos, que não são avaliados no relatório anual.

Para tal, consultou um painel de 4 brokers e tirou a media das estimativas de cada um.

Finalmente, comparou este valor com o website http://www.transfermarkt.de que também tem estimativas dos valores de transferência.

Conclui que o valor do plantel contando os jovens seria 54 milhões de euros superior àquilo que é apresentado no relatório anual.

Que grande análise – não estou a ser irónico, penso mesmo que se trata de uma boa análise financeira, em qualquer lado do mundo.

Como seria se os jornais económicos fizessem análises semelhantes, não sobre jogadores mas sobre activos das empresas cotadas? Seria muito mais interessante ler jornais. Mas ninguém na imprensa económica ousa fazer este tipo de análise, pergunto porquê.

Francamente não sei, mas se um jornalista d’O Jogo faz sobre o Sporting não me convencem que um jornalista de um jornal económico não consiga fazer sobre (por exemplo) a Teixeira Duarte ou qualquer outra empresa cotada. Basta seguir este método, não há que inventar nada!

Amgen (3)

A acção da Amgen que era suposta proteger o investidor da crise, tem tido um comportamento menos positivo (em roxo) quando comparado com o S&P 500 (em azul). Em geral as acções de empresas farmacêuticas e de biotecnologia não têm acompanhado o rally do mercado no último mês.
A empresa despediu 100 pessoas numa das suas fábricas, o que poderá ter tido um efeito negativo. Entretanto o JP Morgan considera que a empresa vale $65 por acção, sobretudo pelo potencial de um dos seus medicamentos.
Continuo a não entender exactamente o que faz os analistas pensar que a mais longo prazo, vale a pena investir na Amgen. Quais são as vantagens comparativas. Hoje em dia o tamanho não chega, aliás é capaz de não ser tão importante como num contexto de crescimento.

Aquisições em Portugal

Já repararam que quando lemos uma reportagem sobre uma aquisição em Portugal, os jornalistas nunca falam do múltiplo de P/E e muito menos do múltiplo de EV/EBITDA?

Sabem mais uma coisa? Raros são os alunos que saem de um curso de gestão com uma noção clara do que é um EV (Enterprise Value ou Firm Value). Em Portugal, não se ensina que o valor de uma empresa cotada pode ser aproximado da melhor forma pela soma do valor de mercado e do endividamento líquido.

Porquê?

Desculpem o paralelismo infantil, mas só me lembra a abertura dos livros do Asterix… Enquanto que Roma estende o seu império, uma pequena aldeia de irredutíveis Gauleses (neste caso Lusitanos) continua a resistir ao invasor…

Algumas falácias sobre a crise e uma base de dados online

Num ambiente de crise, ouve-se e lê-se tanta coisa… Eis na minha opinião alguns dos mal entendidos sobre a situação actual.

1. A primeira falácia que se ouve por aí é que a culpa é da globalização e que a falta de regulamentação provocou esta crise. O primeiro ministro num discurso, disse-o claramente, ainda em Fevereiro.

Muitos já denunciaram este tipo de argumento, que consiste em defender o Estado nação como recurso contra a suposta barbárie do mercado de capitais, entre eles Simon Gleeson da Clifford Chance.

A crise não foi provocada por falta de regulamentação. Nos últimos anos, tivemos o Mifid, Basel II, várias actualizações do (ridículo) Código de Valores Mobiliários, a Directiva Europeia “Prospectus Directive”. Houve muita regulamentação publicada durante os últimos anos na Europa e em Portugal já para não falar em Sarbanes-Oxley. Por isso no G20, houve grandes promessas de cooperação internacional. Sabem porquê? Porque nada disso é novo. Há décadas que há pessoas de vários países a criar regulamentos para o mercado de capitais. A pergunta é qual tem sido a eficiência dessa legislação.

Houve falta de controle sobre o mercado dos derivados de crédito e de financiamento de aquisições mas tanto o mercado de CDS como de financiamento de aquisições têm tido um comportamento normal.

Houve sim uma desastrosa falta de controle sobre a criação de crédito na economia. E é por isso que na minha opinião, os responsáveis pela política de taxas de juro, legislação inútil e políticas de meter no bolso, no Banco Central Europeu, no FMI, na Comissão Europeia, no Parlamento Europeu, nos governos nacionais deviam reconsiderar as políticas. Ou talvez seja necessário mudar – procuram-se caras novas.

Esta campanha do Parlamento Europeu, que usa a figura de um leão a regulamentar os mercados financeiros… É ridículo, não é?


Se calhar a pergunta devia ser – acreditam que o Parlamento Europeu consegue regulamentar os mercados financeiros de forma eficiente? Penso que a resposta vai ser dada sob forma de abstinência. As pessoas são capazes de responder a esta pergunta indo à praia, no dia 7 de Junho.

Resta que a ideia que o crash se deve a falta de regulamentação tanto pelos Estados-Nação como pelas instituições multinacionais deve ser abandonada, a meu ver.

2. Outra falácia vem da boca de Lula da Silva. A ideia de que a crise é culpa de gente branca e de olhos azuis não está certa, pelo menos na minha opinião.

Em geral, há muita gente em conversas de café que defende este argumento. Sem dúvida, quem trabalha nos mercados de capital não é inocente e pode até ser irracional. Mas penso que as pessoas que trabalhavam no subprime acreditavam sinceramente que tinham encontrado uma maneira de aumentar o retorno com um risco muito reduzido.

Estavam errados, é terrível. Mas a ideia que a crise foi provocada por brancos de olhos azuis que andou a brincar com o dinheiro da malta, não tem muito fundamento.

Chamaram a minha atenção para a interpretação desta frase. O que o Lula quis dizer é que se trata de uma crise que começou em países desenvolvidos, não nos chamados mercados emergentes, o que aliás ninguém pode disputar.

3. Outra falácia que parece ser a base de muitos raciocínios dos nossos governantes é a seguinte: o normal é voltar a uma situação de crescimento, e restringir as alavancas do crescimento económico com legislação excessivamente proteccionista não pode impedir um retorno à normalidade.

Claro que isto está errado. Não é certo que a Europa alguma vez volte a uma situação de crescimento económico, mesmo crescimento lento. Estamos no meio de um gigantesco processo de redução do endividamento. É bem possível, e defendido por alguns economistas (ver aqui) que o anos que se seguem sejam anos de destruição de valor e não de crescimento lento.

A maneira como a economia global sai do super-ciclo de endividamento vai depender da maneira como a política macro-económica proporciona condições para uma melhoria da economia. Francamente, as (poucas) medidas até agora foram anunciadas nada mais fazem do que piorar as coisas. Portanto é possível que o crescimento sustentado dos últimos cinquenta anos nunca mais volte. Isso mesmo, nunca mais na história.

Isto sem falar sobre Portugal, onde políticas proteccionistas e uma vontade provinciana de fechar o país aos investidores estrangeiros tem afastado o país de qualquer possibilidade de crescimento económico durante a última década.

E quais seriam as políticas certas? Estou por exemplo a falar, em Portugal, de algo de que ninguém nunca fala… Que tal imitarmos o Reino Unido e pormos à disposição de todos um sistema de consulta de todos os relatórios anuais das empresas portuguesas, online? Bem, já existe um sistema deste género mas foi feito por burocratas e não funciona na realidade, foi apenas um daqueles projectos sem consequência e sem sucesso promovido pela União Europeia. Estou a falar de uma base de dados no estilo da Companies House, que permitiria a qualquer um aceder a versões digitalizadas dos relatórios anuais das empresas portuguesas.

Imaginam o que seria se todas as empresas portuguesas tivessem os seus relatórios anuais online? Seria acabar de uma vez com a opacidade do país. Aumentaria imediatamente o investimento estrangeiro. Um jornalista poderia entender o estado de uma empresa antes de entrevistar o seu dirigente. Ficaríamos finalmente a par daquilo que é a gestão de várias empresas municipais. Seria uma mudança radical.

Mas claro que seria também o fim de muitos negócios paralelos e outras situações menos claras que todos sabemos existem por esse país fora.

Fora de moda

Alguém que saia da universidade agora passou grande parte do seu curso a atravessar uma crise. Será que sabe como era o mundo nos anos ’90?

Quando terminei a minha formação, corria o ano de 1997. Nos primeiros meses da minha vida profissional, a France Telecom fez uma oferta pública de subscrição que foi um sucesso arrasador. O banco onde trabalhava foi um dos responsáveis pela OPS da Netscape que naquela altura estava a ameaçar o Internet Explorer no que seria depois conhecido como “browser wars”. O OPS da Netscape foi um enorme sucesso, como aliás vem mencionado no livro de Thomas Friedman The World is Flat.

Nos anos que seguiram, lembro-me de ver empresas a serem avaliadas pelo número de clicks. Por múltiplos de vendas. Porque todas tinham resultados operacionais negativos.

Quando comecei a trabalhar o presidente dos Estados Unidos chamava-se Bill Clinton e estávamos todos a viver na Nova Economia. Foi uma época fantástica. Em Londres eram os Oasis contra os Blur (tipo Beatles contra Stones).

Penso que as pessoas são muito influenciadas pelos primeiros anos da sua experiência profissional. Talvez tenha mais apetência para o risco do que uma pessoa que saia da universidade hoje e que só ouviu falar de crise e mais crise. Que ouviu o Obama, o Brown e todos os outros a falarem sobre a necessidade da regulamentação e da intervenção do estado.

Tenho pena do mundo se ter tornado tão proteccionista. Mesmo os Estados Unidos promovem abertamente políticas proteccionistas e Paul Krugman justifica algo como “em tempo de guerra, não se limpam armas” (ver aqui). Pelos vistos, num “liquidity trap”, vale tudo. Todos afirmam ser contra o proteccionismo actualmente mas de facto, estamos a assistir à montagem de políticas proteccionistas um pouco por todo o mundo, não só nos Estados Unidos como também na Europa e na Ásia.

Se calhar, estou a ficar fora de moda.