Num ambiente de crise, ouve-se e lê-se tanta coisa… Eis na minha opinião alguns dos mal entendidos sobre a situação actual.
1. A primeira falácia que se ouve por aí é que a culpa é da globalização e que a falta de regulamentação provocou esta crise. O primeiro ministro num discurso, disse-o claramente, ainda em Fevereiro.
Muitos já denunciaram este tipo de argumento, que consiste em defender o Estado nação como recurso contra a suposta barbárie do mercado de capitais, entre eles Simon Gleeson da Clifford Chance.
A crise não foi provocada por falta de regulamentação. Nos últimos anos, tivemos o Mifid, Basel II, várias actualizações do (ridículo) Código de Valores Mobiliários, a Directiva Europeia “Prospectus Directive”. Houve muita regulamentação publicada durante os últimos anos na Europa e em Portugal já para não falar em Sarbanes-Oxley. Por isso no G20, houve grandes promessas de cooperação internacional. Sabem porquê? Porque nada disso é novo. Há décadas que há pessoas de vários países a criar regulamentos para o mercado de capitais. A pergunta é qual tem sido a eficiência dessa legislação.
Houve falta de controle sobre o mercado dos derivados de crédito e de financiamento de aquisições mas tanto o mercado de CDS como de financiamento de aquisições têm tido um comportamento normal.
Houve sim uma desastrosa falta de controle sobre a criação de crédito na economia. E é por isso que na minha opinião, os responsáveis pela política de taxas de juro, legislação inútil e políticas de meter no bolso, no Banco Central Europeu, no FMI, na Comissão Europeia, no Parlamento Europeu, nos governos nacionais deviam reconsiderar as políticas. Ou talvez seja necessário mudar – procuram-se caras novas.
Esta campanha do Parlamento Europeu, que usa a figura de um leão a regulamentar os mercados financeiros… É ridículo, não é?
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Se calhar a pergunta devia ser – acreditam que o Parlamento Europeu consegue regulamentar os mercados financeiros de forma eficiente? Penso que a resposta vai ser dada sob forma de abstinência. As pessoas são capazes de responder a esta pergunta indo à praia, no dia 7 de Junho.
Resta que a ideia que o crash se deve a falta de regulamentação tanto pelos Estados-Nação como pelas instituições multinacionais deve ser abandonada, a meu ver.
2. Outra falácia vem da boca de Lula da Silva. A ideia de que a crise é culpa de gente branca e de olhos azuis não está certa, pelo menos na minha opinião.
Em geral, há muita gente em conversas de café que defende este argumento. Sem dúvida, quem trabalha nos mercados de capital não é inocente e pode até ser irracional. Mas penso que as pessoas que trabalhavam no subprime acreditavam sinceramente que tinham encontrado uma maneira de aumentar o retorno com um risco muito reduzido.
Estavam errados, é terrível. Mas a ideia que a crise foi provocada por brancos de olhos azuis que andou a brincar com o dinheiro da malta, não tem muito fundamento.
Chamaram a minha atenção para a interpretação desta frase. O que o Lula quis dizer é que se trata de uma crise que começou em países desenvolvidos, não nos chamados mercados emergentes, o que aliás ninguém pode disputar.
3. Outra falácia que parece ser a base de muitos raciocínios dos nossos governantes é a seguinte: o normal é voltar a uma situação de crescimento, e restringir as alavancas do crescimento económico com legislação excessivamente proteccionista não pode impedir um retorno à normalidade.
Claro que isto está errado. Não é certo que a Europa alguma vez volte a uma situação de crescimento económico, mesmo crescimento lento. Estamos no meio de um gigantesco processo de redução do endividamento. É bem possível, e defendido por alguns economistas (ver aqui) que o anos que se seguem sejam anos de destruição de valor e não de crescimento lento.
A maneira como a economia global sai do super-ciclo de endividamento vai depender da maneira como a política macro-económica proporciona condições para uma melhoria da economia. Francamente, as (poucas) medidas até agora foram anunciadas nada mais fazem do que piorar as coisas. Portanto é possível que o crescimento sustentado dos últimos cinquenta anos nunca mais volte. Isso mesmo, nunca mais na história.
Isto sem falar sobre Portugal, onde políticas proteccionistas e uma vontade provinciana de fechar o país aos investidores estrangeiros tem afastado o país de qualquer possibilidade de crescimento económico durante a última década.
E quais seriam as políticas certas? Estou por exemplo a falar, em Portugal, de algo de que ninguém nunca fala… Que tal imitarmos o Reino Unido e pormos à disposição de todos um sistema de consulta de todos os relatórios anuais das empresas portuguesas, online? Bem, já existe um sistema deste género mas foi feito por burocratas e não funciona na realidade, foi apenas um daqueles projectos sem consequência e sem sucesso promovido pela União Europeia. Estou a falar de uma base de dados no estilo da Companies House, que permitiria a qualquer um aceder a versões digitalizadas dos relatórios anuais das empresas portuguesas.
Imaginam o que seria se todas as empresas portuguesas tivessem os seus relatórios anuais online? Seria acabar de uma vez com a opacidade do país. Aumentaria imediatamente o investimento estrangeiro. Um jornalista poderia entender o estado de uma empresa antes de entrevistar o seu dirigente. Ficaríamos finalmente a par daquilo que é a gestão de várias empresas municipais. Seria uma mudança radical.
Mas claro que seria também o fim de muitos negócios paralelos e outras situações menos claras que todos sabemos existem por esse país fora.