O livro recentemente publicado por António Nogueira Leite (com Paulo Ferreira), “Uma Tragédia Portuguesa”, faz um diagnóstico lúcido da situação do país e para além disso, indica várias soluções possíveis para as dificuldades que atravessamos. É um livro que vale a pena ler porque levanta questões importantes.
António Nogueira Leite menciona reformas possíveis em várias vertentes, não só o necessário emagrecimento do Estado, da reforma do Estado Social, como também mudanças que devem acontecer nas empresas e dentro das próprias famílias.
Sobre as reformas a efectuar nas empresas, António Nogueira Leite aponta para a importância de apostar nos bens e serviços transacionáveis. A propósito deste assunto, recordo-me da minha experiência em Londres onde trabalhei durante vários anos na banca de investimento. Nos meios da City, durante o período de 2001 a 2007, falava-se dos problemas da economia Alemã, por ser demasiado dependente dos produtos industriais. Sugeria-se que a economia alemã devia depender menos da indústria e passar para os serviços. Algo que hoje parece inacreditável era de facto defendido por vários analistas.
Eu sempre pensei que a indústria alemã era uma enorme vantagem para o país. Estudei durante um ano na Alemanha, numa cidade industrial mesmo ao lado da BASF, e fiquei bastante bastante impressionado com a força da cultura industrial Alemã.
Neste momento de crise, a Alemanha reafirma o seu estatuto de motor do crescimento da economia europeia graças em grande parte às suas empresas industriais exportadoras. A minha conclusão é simples: uma economia que aposta nos bens industriais, que são transaccionáveis, está sempre um passo à frente e pode enfrentar qualquer crise.
Portugal sempre dependeu excessivamente do sector do imobiliário e da construção. Finalmente alguém levanta a questão da excessiva dependência do país em relação a estes sectores. Será que há futuro no imobiliário e na construção em Portugal? Obviamente que sim, como em qualquer país. Mas as taxas de crescimento elevadas a que o sector se habituou provávelmente não voltam tão cedo. O modelo do sector terá que mudar.
A dependência do país relativamente ao imobiliário e à construção reflecte-se no mercado do crédito, como observa Nogueira Leite. A estatística apresentada para ilustrar este ponto é a seguinte: o sector imobiliário e da construção representava 18% do PIB em 2008 enquanto absorvia 72% da totalidade do crédito concedido pelo sector bancário. Ou seja, resta muito pouco para os outros sectores da economia, nomeadamente para os sectores que produzem bens e serviços transaccionáveis.
Isto tem várias consequências. Uma delas é que os bancos portugueses estão a sofrer duramente o marasmo que se vive no sector imobiliário e da construção. Outra consequência é que as empresas industriais em Portugal têm dificuldade no acesso ao crédito. O imobiliário, a construção, o próprio Estado, com a sua obsessão pelas obras públicas, acabam por canalizar grande parte do crédito disponível.
Sei por experiência própria que muitas empresas portuguesas não precisam sequer de crédito. Precisam sim de mecanismos de financiamento em acções, de capital de expansão. Existe uma enorme lacuna em Portugal no que toca ao financiamento em capital. Os investidores privados portugueses sabem perfeitamente como financiar empresas em fase de expansão; no entanto, não querem arriscar neste momento do ciclo. Quanto aos investidores estrangeiros, não me parece que estejam muitos interessados no país neste momento, tendo em conta a iminência da entrada do FMI.
É necessário apostar nos bens transaccionáveis, no entanto há também os serviços – o livro refere sempre bens e serviços transaccionáveis. Penso no turismo, por exemplo, com Lisboa a assumir-se cada vez mais como um dos principaís destinos de congressos e incentivos mas onde ainda há muito a fazer. Também nos serviços financeiros: os bancos portugueses estão cada vez mais presentes em África.