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As três fases da negação

Como é que vai ser 2011 para a economia portuguesa? Será que Portugal devia aceitar o apoio da UE e do FMI?

Dylan Grice escreveu um artigo sobre uma ideia que também me tinha ocorrido e que achei interessante. Tem a ver com a reacção das pessoas e dos políticos, em Portugal e na Europa, relativamente à crise que estamos a viver actualmente. Chama-se “the three stages of delusion” e acaba por ser uma reflexão sobre a situação actual da economia europeia.

A maioria das pessoas ainda não se terá apercebido da gravidade da situação 

A ideia é a seguinte: as pessoas têm uma reacção muito típica quando enfrentam dificuldades. Começam por viver em negação, que tem três níveis ou fases:

  • A primeira fase consiste em recusar que existe um problema. Essa fase já passou para a maioria dos analistas. As pessoas, o Governo, a comunicação social claramente já perceberam que há um problema por resolver!
  • A segunda fase consiste em recusar entender a dimensão (elevada!) do problema. É a fase que estamos a viver. O Governo vai provavelmente aceitar qualquer dia que a “ajuda” da UE e do FMI é inevitável. Vai até haver quem defenda que Portugal não precisa da ajuda, que devia resolver o problema sozinho. (A verdade é que mesmo com o apoio da UE e do FMI a coisa vai demorar muito tempo a resolver-se. Se a ajuda não vier, ainda será pior);
  • A terceira fase consiste em dizer que o problema não tem nada a ver connosco.

Uma nota: O que se passou em Portugal durante os últimos anos, como já todos sabemos, foi um aumento descontrolado da dívida tanto das empresas, como do Estado e dos particulares. O Estado, os bancos e os próprios consumidores endividaram-se a um ponto que não é normal. Houve pouco investimento em acções e quase nenhuma ida à bolsa. Isto colocou a economia num estado de grande vulnerabilidade externa. Vários economistas argumentam que o indicador mais relevante da vulnerabilidade externa de um país acaba por ser o endividamento bruto, uma vez que este é o montante que precisa de ser refinanciado e sobre o qual recaem os juros a pagar. O FMI calcula que o endividamento bruto de Portugal atingia os 215% do PIB em 2008, superando largamente os valores da Espanha (156%), Grécia (147%) e Itália (117%).

Outra nota: O gráfico abaixo também ilustra a gravidade da situação. Mostra os spreads sobre a dívida pública portuguesa durante os últimos 6 meses. Só para dar algum contexto sobre o mercado da dívida pública: normalmente os spreads são contados em pontos de base ou seja, centésimos de um ponto percentual. Um comentário habitual ao mercado da dívida soberana seria “houve um aumento de 25 pontos de base” o que já é considerado “dramatic” nesse mercado. O gráfico que se segue é de arrepiar… Estamos a falar de variações de 150 pontos de base em poucos meses.

(Fonte Bloomberg)

Quais são os problemas de fundo?

Voltando às perguntas iniciais: a meu ver, existem três problemas de fundo, que vão condicionar os próximos anos na economia portuguesa:

  • A primeira dificuldade, a mais premente, é que a economia portuguesa não vai conseguir gerar riqueza suficiente para que as dívidas contraidas sejam pagas nos prazos previstos. Ou seja, o PIB português pode não chegar para que as empresas, os bancos e o próprio Estado continuem a sua actividade normal e ao mesmo tempo paguem os encargos relacionados com a dívida contraida. Este problema dificilmente será resolvido nos próximos 5 anos
  • A segunda dificuldade, que acaba por ser o problema de fundo, é que vai ser necessário que o país se torne mais competitivo. Vai ser preciso apostar nos sectores do futuro, como nota Maria João Rodrigues nesta entrevista ao DN. Só que o país vai estar a pagar uma dívida enorme. Um país endividado não está preparado para se reconverter e ganhar competitividade. Por mais que o Governo queira, se os investidores não quiserem investir, ninguém os pode obrigar;
  • A terceira dificuldade, mais difícil de resolver é a corrupção e os “jobs for the boys” que são o estado natural das coisas em Portugal, sobretudo no que diz respeito ao chamado Sector Empresarial do Estado, como prova este post no “Portuguese Economy“.

Uma questão que polariza os analistas

Os analistas que, tanto em Portugal como no estrangeiro, tentam responder às perguntas “será que Portugal precisa de ajuda externa” ou “será que a ajuda externa é inevitável” dividem-se, na minha opinião, em três campos:

  • Há os que estão convencidos que não é correcto que a UE e o FMI ajudem Portugal, ou que não é preciso. Segundo a análise acima, estão na segunda fase de negação. Uma outra abordagem que acaba por ser mais ou menos equivalente, consiste em discutir se moralmente, é adequado ajudar um país no sentido de lhe providenciar liquidez. Qualquer economista que tenha estudado estes assuntos responde que (i) a moral não é para aqui chamada (ii) sim, é adequado, em certas condições. Mas há quem pense o contrário, nomeadamente os operadores de mercado tais como Jim Rogers. É a lógica do “Moral Hazard“: se eu como indivíduo me endividar de forma excessiva, ninguém me vai ajudar. Por que carga de água é que um Estado pode pedir ajuda a Bruxelas? (esta parece ser a opinião generalizada dos eleitores alemães). Outros comentadores, como João Marques de Almeida no Diário Económico de 13 de Dezembro, acabam por se colocar neste campo de outra maneira: a culpa é dos portugueses e dos seus governantes, os alemães não querem pagar pelos erros dos outros;
  • O segundo campo inclui os comentadores (mais raros) que dizem que é preciso ter confiança e que a dificuldade vai ser superada. Por exemplo João Galamba no Jugular. Estão, a meu ver, na primeira fase da negação ou seja ainda não entenderam a gravidade da situação;
  • O terceiro campo é composto por analistas que afirmam que a UE deve apoiar os países que estão em má situação e injectar liquidez no sistema – rápido. Penso que se trata da atitude mais frontal que consiste em admitir que a situação está descontrolada e não pode continuar assim.  O Estado português, nomeadamente, vai precisar de reduzir o seu défice ainda mais do que aquilo que foi anunciado e tenho dúvidas que o consiga fazer sozinho – como indica esta tabela produzida pelo Gavyn Davies. Haverá que chegar a um compromisso e andar para a frente. Os bancos americanos, alemães, ingleses de outros países europeus iriam perder muitos empréstimos concedidos a empresas portuguesas (e ao próprio sistema financeiro) como indica, indirectamente, Pedro Lains, se essa intervenção não se materializar.

O argumento do “Moral Hazard”

Antes do mais, penso que é preciso questionar a opinião segundo a qual o “Moral Hazard” deve impedir os países ditos periféricos, entre eles Portugal, de beneficiarem do apoio da UE.

Os bancos, os analistas e comentadores, todos parecem apontar para os problemas da economia portuguesa, a sua falta de competitividade, o elevado déficit do Estado, o peso das importações. Sem dúvida que existe um problema de competitividade e sem dúvida que o Estado tem demasiado peso em Portugal. Mas para que a Alemanha exporte é preciso quem importe. Os países não podem todos exportar, é uma impossibilidade!

Para que os bancos alemães, ingleses, franceses, Americanos tenham actividade, é preciso que alguns países se endividem. Será que só agora é que o sistema financeiro despertou para a realidade do que tem sido a última década em Portugal? O gráfico abaixo mostra a dívida líquida externa dos países da “periferia”. Houve um aumento significativo da dívida externa desde 1997 (que neste caso corresponde a um declive negativo na curva) – mas para que um país como Portugal se endivide, é preciso que o sistema financeiro esteja disposto a financiar. Trata-se de um movimento mais ou menos contínuo e longo, desde 1997. Temos que pensar num ciclo muito longo. A situação não é de agora.

(Fonte: Deutsche Bank)

Mais um elemento – porque é que o Estado português apoiou o BPN, que é um banco que em princípio não coloca um risco sistémico a nível europeu… Ninguém se preocupou em responder a esta pergunta. O que aconteceu de facto é que a fraude de alguns está a ser paga por todos. A factura já vai em quase 5 mil milhões de Euros… Para Portugal trata-se de um montante significativo. O que aconteceu de facto foi que o Estado ficou com o risco do sistema financeiro português, que repartiu pelos contribuintes.

Tudo isto para concluir o seguinte: o argumento do “Moral Hazard” parece-me muito fraco. Entendo como natural que os países da UE montem mecanismos de apoio (já agora, não é ajuda, terá que ser pago) a Portugal. Não sei se são Alemães, Franceses, Ingleses, tanto faz do meu ponto de vista. Os parceiros económicos de Portugal estão envolvidos há muitos anos nesta situação. Tanto as empresas, como os bancos, como os próprios governos. Lavar as mãos nesta altura parece-me ridículo.

Quais são as soluções?

Só vejo 4 soluções (como indicado por um analista chamado Omar Sayed que escreve na newsletter do John Mauldin) (i) aquilo a que se pode chamar um Plano Marshall II (ii) o tratado de Versailles II (iii) imprimir dinheiro (iv) a opção da Islândia.

A opção “Plano Marshall II” consiste na aquisição, por parte do BCE, de obrigações do Tesouro dos países mais fustigados (nomeadamente, Portugal). Alternativamente, os países da zona Euro como um todo poderão começar a emitir obrigações europeias. Existem várias perguntas sobre a melhor maneira de o fazer. Seria necessário criar um fundo ou uma instituição vocacionada para emitir obrigações.

Ainda no quadro do “Plano Marshall II” haveria que canalizar fundos estruturais para Portugal, por exemplo para financiar projectos de infra-estrutura…

O BCE já está a comprar obrigações e dívida Grega, Irlandesa e Portuguesa… Os fundos europeus continuam a vir para Portugal, quase tudo a fundo perdido. Pelo que podemos afirmar que estes mecanismos já estão em funcionamento, será mais uma questão de escala. A emissão de Eurobonds poderá marcar a diferença.

A opção do “Tratado de Versailles II” consiste simplesmente em esperar que as economias mais fracas tais como Portugal, reajustem os salários na baixa para ganhar competitividade. Esta opção vai doer. Isto já está a acontecer e contráriamente ao que muitos analistas afirmam, não tem havido grandes sobressaltos a nível social. Aqui em Portugal, houve um dia de greve geral e mais nada. Não vejo grandes problemas em que esta solução continue a ser aplicada.

A opção (iii) consiste em continuar a imprimir dinheiro até a situação se resolver. Isto só pode resultar em inflação e não resolve o problema. O BCE decerto não vai continuar a imprimir dinheiro para sempre sob pena de criar inflação. Esta opção está posta de lado a médio prazo.

A opção (iv) consiste em re-estruturar a dívida e fazer com que os accionistas dos bancos e os detentores de dívida de bancos portugueses levem uma marretada valente pelos erros cometidos. Como na Islândia. Até à data isso ainda não aconteceu em Portugal…

Conclusão

O chamado “Plano Marshall II” já está a acontecer. Também o “Tratado de Versailles II” já está em marcha. Contráriamente ao que pensam vários analistas, sou da opinião que tudo isto poderá acontecer ao mesmo tempo.

O que me parece que vai acontecer em Portugal em 2011 é uma combinação de apoio do  BCE na compra de dívida a curto prazo, juntamente com um ajustamento pela baixa dos salários e o prolongamento dos fundos estruturais a entrarem.

A única peça que falta no puzzle acaba por ser a reestruturação da dívida dos bancos. Ainda parece haver muito por fazer para que Portugal volte a encontrar um caminho de crescimento para a sua economia.

[Última actualização em 2011 por Hugo Mendes Domingos]

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